ATA DA DÉCIMA SÉTIMA SESSÃO SOLENE DA QUINTA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA NONA LEGISLATURA, EM 11.06.1987.

 


Aos onze dias do mês de junho do ano de mil novecentos e oitenta e sete reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Décima Sétima Sessão Solene da Quinta Sessão Legislativa Ordinária da Nona Legislatura, destinada a homenagear o transcurso do Dia Nacional de Portugal. Às dezesseis horas e trinta e cinco minutos, constatada a existência de “quorum”, o Sr. Presidente declarou abertos os trabalhos e convidou os Líderes de Bancada a conduzirem ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. Compuseram a MESA: Verª. Teresinha Irigaray, 1ª Vice-Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, presidindo os trabalhos da presente Sessão; Ver. Valdir Fraga, Secretário do Governo Municipal, representando, neste ato, o Prefeito Municipal de Porto Alegre; Sr. Emídio da Veiga Domingos, Cônsul de Portugal; Min. José Nacci, Cônsul Geral da Argentina, Decano do Corpo Consular do Rio Grande do Sul; Min. Adolfo Donamari, Cônsul Geral de Portugal; Ver. Aranha Filho, Secretário “ad hoc”. A seguir, a Sr.ª. Presidente concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Ver. Pedro Ruas, em nome das Bancadas do PDT, PT, PCB e PC do B, comentou o significado do dia dez de junho para os portugueses, dizendo que esta Câmara hoje é o Brasil e é nesta condição que reverencia a data nacional de Portugal, demonstrando, com isso, os laços sólidos que nos unem àquela nação irmã. Comentou a grandeza da figura de Camões e de sua obra imortal, Os Lusíadas”. O Ver. Aranha Filho, em nome da Bancada do PFL, disse que nossa história nasce quando Portugal, ao descobrir os mistérios do mar, expande-se para além dele. Comentou a importância do Dia Nacional de Portugal, citando Camões, o mais notável poeta daquela Terra. O Ver. Flávio Coulon, em nome das Bancadas do PMDB e do PL, declarou que falar de Portugal, é falar de terra e de mar e que para entendermos aquele País é necessário entender que na Península Ibérica o mar e a terra se uniram de tal modo que a terra é a carne e o mar o sangue de Portugal. E o Ver. Adaury Fillipi, em nome da Bancada do PDS, comentou que o Brasil será sempre parte de Portugal, relembrando fatos históricos da cultura daquele País. Discorreu sobre grandes personalidades portuguesas, salientando que o Brasil e Portugal representam uma simbiose de fraternidade e de história. A seguir, o Sr. Presidente concedeu a palavra ao Sr. Emídio da Veiga Domingos, Cônsul de Portugal, que agradeceu a presente homenagem. Após, a Sra. Presidente fez pronunciamento alusivo à solenidade, convidou as autoridades e personalidades a passarem à Sala da Presidência, convocou os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental, e levantou os trabalhos às dezessete horas e vinte e cinco minutos. Os trabalhos foram presididos pela Verª. Teresinha Irigaray e secretariados pelo Ver. Aranha Filho, Secretário “ad hoc”. Do que eu, Aranha Filho, Secretário “ad hoc”, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após lida e aprovada, será assinada pelos Senhores Presidente e 1ª Secretária.

 


A SRA. PRESIDENTE: Com a palavra, o Ver. Pedro Ruas que falará em nome das Bancadas do PDT, PT, PCB, PC do B e como autor da proposição.

 

O SR. PEDRO RUAS: Sra. Presidente, Srs. Vereadores e Srs. convidados: existem momentos que são muito especiais no dia-a-dia desta Casa. Existem momentos em que marcam de forma indelével a existência deste Legislativo Municipal, onde a sua grandeza de casa do povo fica mais evidenciada. Hoje, é um destes momentos, pois se realiza uma Sessão Solene para homenagear o Dia de Portugal, de Camões e das comunidades portuguesas, ocorrido, ontem, dia 10 de junho. Nesta data, esta Câmara é o Brasil. Ë nessa condição que reverenciamos a data nacional daquele país, numa demonstração inequívoca da solidez dos laços que nos unem aos irmãos portugueses. O dia 10 de junho é o dia da morte do poeta e escritor épico Luiz de Camões, ocorrida a mais de 400 anos, sendo tal data escolhida, com muita propriedade, para ser a data nacional, a exemplo do dia 7 de setembro, aqui no Brasil. Camões e sua obra são o símbolo maior da cultura portuguesa. Cultura esta que na sua forma mais ampla expandiu-se para o mundo, e de alguma forma, também é nossa, posto que os portugueses são nossos irmãos mais velhos, nossos descobridores e, acima de tudo, nossos amigos.

Nossa língua, fator maior da integração neste vasto território nacional é a língua portuguesa, adaptada ao modo de falar de nossa gente em cada região de nosso país.

Nossa história, tal como a conhecemos, começa com a história de Portugal e com esta confunde-se em vários momentos das vidas dos dois países, unidos para sempre e desde sempre, indissoluvelmente.

Nossas semelhanças culturais e históricas, nossos laços afetivos são revelados, hoje, de inúmeras maneiras, no dia-a-dia dos dois povos, seja através do simples intercâmbio comercial, ou de estudos, seja através de leis, como a convenção que estabelece a igualdade dos direitos políticos entre brasileiros e portugueses para os dois territórios nacionais.

Meu caro amigo Emídio da Veiga Domingos, Cônsul de Portugal neste Estado, o 10 de junho, transcorrido ontem, é uma data importante para todos nós. Portugal também é nosso país, assim como o Brasil também é país de portugueses. V. Ex.ª me falou, em correspondência, da honra de receber esta homenagem na Câmara Municipal no dia de Portugal, dia de Camões, dia das comunidades portuguesas. Saiba que a honra maior é nossa, posto que estamos homenageando nossa própria história, nosso próprio sangue, e acima de tudo a bravura e o destemor de um povo que nos deu origem e para qual seremos, sempre, muitíssimos agradecidos.

Senhoras e Senhores, em especial, portugueses ou descendentes dos mesmos. A honra desta Casa em recebê-los é muito grande, para nós, particularmente, por vinculações inclusive, de cunho familiar, é uma data muito importante esta em que podemos homenagear um povo, através do seu Dia Nacional, com tão profundos laços de vinculação com todos nós brasileiros.

Nós agradecemos a presença de todos os senhores e nos desculpamos, antecipadamente, pela nossa ausência na continuidade dos trabalhos na medida em que, hoje, embarca para Brasília uma Comissão desta Câmara Municipal que visa levar reivindicações dos Vereadores ao Congresso Nacional Constituinte do qual, com muita honra, estamos integrados. Dentro de alguns momentos o avião que levará os Vereadores a Brasília partirá e este é o motivo da ausência de vários Vereadores aqui em Plenário, nesta hora. Mas o que importa mais é deixar marcada esta homenagem que, como já foi frisada por mim desta tribuna, é uma homenagem também a nós brasileiros. E a presença dos senhores entre nós é motivo de muito orgulho e muita honra. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE: Com a palavra o Ver. Aranha Filho, pelo PFL.

 

O SR. ARANHA FILHO: Sra. Presidente, Senhores Vereadores e Srs. convidados: inicialmente, gostaríamos de cumprimentar o Ver. Pedro Ruas, pela iniciativa de propor à esta Casa a saudação comemorativa ao transcurso do Dia Nacional de Portugal e, ao mesmo tempo, de poder representar o meu partido, o PFL, nesta Sessão Solene.

Nossa pátria foi achada e civilizada pelos portugueses.

Nossa história começa em Portugal e prolonga-se nesse imenso país que pelos portugueses foi considerado desde os primeiros anos - “o mundo novo”.

A carta de Pedro Vaz de Caminha é o nosso primeiro documento. “A História da Província de Santa Cruz”, de Pero Magalhães Gandavo (1576) é a primeira História do Brasil.

Podemos, também, afirmar que a nossa história nasce quando Portugal firma-se como uma potência de 1ª grandeza, no momento em que o “Mar Oceano” deixara de ter os mistérios para ele, nasce o Brasil do resultado da expansão Lusitana e da realização de uma vocação que fixa o destino de toda uma civilização transnacional: a Luso-tropical, de que o Brasil faz parte. Portanto, é uma realidade de que existe no mundo um complexo social, ecológico e de cultura que pode ser caracterizado cm “Luso-tropical”.

Portugueses e Brasileiros são responsáveis pelo destino das duas grandes nações Luso-tropical de hoje - civilização marcada por uma harmonização de formas lusitanas de ser e de viver com os trópicos, que nenhum outro Europeu parece ter alcançado.

Souberam os portugueses se expandir em terras quentes, com esse saber expandiram a fé, o comércio e todas as formas de sua cultura.

O Português criou, sem dúvida, um mundo novo, uma civilização nova, uma cultura nova - que hoje podemos denominar civilização tropical.

Além disso tudo, como alguém afirmou: “Portugal é o país que mais tem contribuído para a ciência geográfica do globo”. No decurso de um século descobriu e explorou quase dois terços do globo inabitado.

Portugal nasceu da luta. Seu primeiro rei foi um conquistador corajoso e decidido - Afonso VI.

Seu apogeu econômico foi atingido na época de Dom Manuel, o venturoso, o passado glorioso desse país está eternamente retraçado na vasta epopéia do peta clássico Luiz de Camões, cuja vida aventurosa e difícil encontrou seu coroamento em “Os Lusíadas”.

Camões - o mais insígne representante da Literatura Portuguesa, único escritor de nossa língua que pode ser colocado ao lado dos grandes gênios da humanidade, como Dante, Shakespeare, Milton e Goethe, sua formação foi em Coimbra sua terra natal - hoje Cidade gloriosa de tradição universitária.

Camões escreveu “Os Lusíadas” a única epopéia verdadeiramente nacional de todas as literaturas, antigas ou modernas. Resplende neles a alma portuguesa nas suas virtudes generosas, na sua fé inviolável, no seu titânico heroísmo.

Somos hoje, portugueses e brasileiros. Povos de língua comum, de tradições comum, formando uma unidade transacional de cultura que é a Luso-tropical. Por esse motivo precisamos de maior união, de caminharmos juntos, juntos uns dos outros e próximos uns dos outros, conservando vivas as tradições da melhor fraternidade luso-brasileira.

Procuramos sempre, após, o século XIX, quando conquistamos a independência, estreitar nossas relações culturais com Portugal - esse País; velho guardião da cultura, que nos acompanhou na trajetória social e cultural.

Desse País pequeno na área territorial, mas grande no cenário internacional, esperamos muito mais ainda.

Seu ingresso na comunidade econômica européia exige uma atuação conjunta com o Brasil.

Se até aqui, estreitamos os relacionamentos culturais daqui por diante temos de estreitar as relações econômicas e conseqüentemente as relações financeiras.

A cooperação econômica entre esses dois Países deve ser aprofundada, contornando todas as barreiras protecionistas.

O desenvolvimento Português na Europa deve acompanhar o desenvolvimento brasileiro na América - dois países que devem aproveitar as oportunidades e crescerem juntos, dinamizando o desenvolvimento tecnológico, libertando-se do jugo das nações super-desenvolvidas.

Dadas as relações especiais que esses dois países mantêm, poderá surgir mais espaços em todos os setores da economia.

Tudo deve nos unir e nada nos separar.

Mais aproximação, união e mais bases para um programa de integração econômica. Os 120 milhões de Brasileiros somados aos 10 milhões de Portugueses podem construir um invejável mercado.

Esperamos que os Lusos admitam também as nossas iniciativas em problemas que se dizem comuns.

Não somente devemos falar em acordos culturais, literários, mas também fortalecer os acordos no campo de cooperação em bases de promissor programa de integração econômica.

Vemos necessidade de que o Brasil e Portugal atuem de maneira conjunta e ponham em prática mecanismos destinados à complementação de suas economias, numa integração efetiva e irreversível, para o fortalecimento de mercados: uma comunhão de interesses que fatalmente será proveitoso para ambos os países.

A comissão mista Brasil-Portugal precisa ser ativada.

O Brasil está numa arrancada econômica, disto Portugal está ciente, por isso o estreitamento de relações comerciais deve ser proposto.

O antigo Reino Lusitano, cujo esplendor foi diminuindo paulatinamente pelo ingente esforço dispendido na conquista e colonização do extenso império colonial, se transformou em república a partir de 1910 e até o presente momento esse país tem encontrado dificuldade em facilitar os mecanismos para sua economia, conservando-se em mercados dependentes da Europa.

Se bem possua uma gama variada de produções, Portugal sente necessidade de suprir seu próprio consumo. Sua perspectiva de desenvolvimento econômico não deve sofrer influências externas. O desenvolvimento de sua indústria moderna não poderá ser refreada pela exiguidade do mercado.

A modernização de seu parque industrial deve, com seu próprio capital, se adaptar ao mercado internacional.

Sempre tivemos carinho com tudo que é de Portugal, desde as velhas tradições que lá se encontram e que são projetadas em ruas tortuosas, igrejas antigas, calçadas de pedras que nos despertam emoções.

Falar em Portugal é uma necessidade de voltar às origens e encontrar motivos para melhor nos conhecer.

Ainda muito vivo, o folclore diferencia-se de província à província. As danças típicas são providas de um real virtuosismo: o fandango - a dança masculina, oriunda do ribatejo; o bailarico; as saias; a dança dos ferreiros de panafiel; a dança da trança da alta beira; a chula; o baile popular; o carangueijo; o pega-fogo; tudo isto desperta em nós brasileiros reflexos de nossas origens.

O Fado - com sua música e canção nos fascina. É a canção popular, de caráter triste e fatalista, sentimental e queixoso. É de uma estrutura simples e marcada pela influência afro-brasileira. Ao som da guitarra ou do acordeão, quando ouvido jamais poderá ser esquecido.

Ainda hoje, nos laços de muralhas Afonsinas, na pureza das igrejas góticas, numa fonte medieval, no recorte dos monumentos barrocos ou numa viela secular, se documenta a presença invulgar de um passado glorioso; estão aí as cidades góticas como Santarém, capital de uma província castiça que tem como principais fontes de prosperidade a criação de gado, o cultivo da vinha, da oliveira e dos cereais. Situa-se num lugar dominante do qual se abarca, a perder de vista o imenso vale do Tejo, os campos e as colinas que dão uma fisionomia específica em cada região e aos seus imediatos determinismos éticos.

A fundação dessa cidade bem como a origem de seu nome mergulham no mistério de uma lenda. Foi uma antiga residência de reis e príncipes, encontros de reuniões de cortes, centro de aclamações populares. Santarém tem na riqueza de suas memórias, nas reconstituições lendárias, na biografia dos homens ilustres, motivo de orgulho da importância de outrora.

Lá, nesse província, na igreja da graça, na capela - mor está o túmulo (magnífico exemplar do século XVI) de Pedro Álvares Cabral.

Em Santarém, como em Lisboa, não faltam as touradas.

Lisboa, situada na margem direita do Tejo, com suas ruas estreitas, seus bairros típicos como Alfama, Alama, Mouraria nos toca no coração.

As torres de Belém - em estilo Árabe - marca o local de onde saíram os primeiros navegadores e descobridores de novas terras.

Coimbra, cidade da beira, chamam-lhe a Cidade dos Doutores, pois grande parte de sua população é constituída por estudantes.

Évora, capital do Alantejo, foi na dinastia de Avis, preferida pelos reis e pelas suas cortes.

Nazaré, praia famosa com seus pescadores, viúvas cobertas de preto e as lavadeiras de sete saias.

O Cabo da Roca - ponto mais ocidental da Europa - é um marco histórico para Portugal, é “onde a terra se acaba e o mar começa” e onde palpita o espírito de fé e de aventura que selou suas caravelas em busca de novos mundos para o mundo.

O Palácio de Queluz onde nasceu e morreu o nosso Dom Pedro I.

Eu teria ainda muito o que falar sobre Portugal, mas de uma coisa tenho certeza, por mais que me alongasse faltaria tempo para falar desse povo e dessa terra: parcela do nosso patrimônio.

Ao finalizar, desejo prestar nesta Casa do Legislativo Municipal, nesta significativa data, uma homenagem a esse povo amável, a essa raça gentil que é muito orgulhosa do Brasil e dos brasileiros.

Portugal - herança do tempo - saúdo, assim, desta tribuna, a nobre nação portuguesa que tanta afinidade tem conosco.

Está na consciência de todos os portugueses e de todos os brasileiros que o fato de sermos politicamente duas nações ou dois estados não desfaz a realidade de sermos pela cultura, pelo sentimento, até pelo sangue, um só povo e a cada dia mais sensíveis às semelhanças do passado comum e às responsabilidades de um futuro também comum.

Aos ilustres portugueses aqui presentes, dignos representantes da nação que ora homenageamos e à Colônia Portuguesa radicada no Rio Grande do Sul - recebam o meu fraternal abraço, e mais uma vez saúdo neste dia Brasil e Portugal nossas nações que, desde séculos, vivem irmanados por sentimentos de amizade e solidariedade.

Faço minhas as palavras do Emérito Professor Gilberto Freyre: “Depois de Cristo, ninguém contribuiu tanto como os Portugueses para o desenvolvimento do amor fraternal entre os homens”. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE: Com a palavra o Ver. Flávio Coulon, pelo PMDB e PL.

 

O SR. FLÁVIO COULON: Sra. Presidente, Srs. Vereadores e Srs. convidados: falar de Portugal, conhecer sua história, é falar da terra e do mar.

Com efeito, outras nações se constituíram, viveram ou vivem sem que o mar tivesse que ver com sua existência. Portugal não. Portugal é terra e é mar.

Para entender a pátria-mãe, a sua personalidade mostrada ao longo dos séculos, a sua alma, há que ter diante dos olhos que, desde sempre, naquele centro da Península Ibérica, o mar e a terra se uniram de tal modo que ver a terra é sentir o mar e compreender a terra... Por isso, se pode dizer que, se a terra é a carne de Portugal, o mar é bem o seu sangue.

O que caracteriza o território onde havia de formar-se o Portugal europeu é ser uma estreita faixa situada na região ocidental da Península Ibérica e inclinada para o mar, de norte a sul, em declive suave. Terra que volta as costas às terras européias, e vai olhando o mar, até mergulhar nele as suas areias douradas ou as suas arribas imponentes. Terra que se abre, que se dá ao oceano e dele recebe a benção das brisas e das chuvas, a doçura dos céus e a atração dos caminhos do infinito.

As águas atlânticas que banham a terra portuguesa são quentes e quase sempre clamas, os céus são límpidos e os ventos favoráveis. Há riqueza de peixe. O calor das águas beneficia a terra e beneficia os homens, que desfrutam, por isso, de um clima temperado que ajudou a modelar a alma portuguesa. E, da riqueza de peixes e da calma e limpidez dos horizontes oceânicos, nasceu a vocação marítima dos habitantes da estremadura da Península Ibérica - nasceu a saga de um povo que se cobriu de glórias no mar.

Ë essa vocação marítima que, a partir de 1412, com o infante Dom Henrique, foi canalizada para a descoberta de novos mundos e novas terras, “além do Bojador”, fazendo com que, em menos de 100 anos, Portugal levasse a todos os continentes do mundo a presença da cruz de Cristo e a presença de seu espírito universal, até hoje presentes no Brasil, na América; em Cabo Verde, Guiné, São Tomé, Príncipe, Angola e Moçambique, na África; em Macau, na Ásia e em Timor, na Oceania.

Ninguém melhor que Fernando Pessoa para definir essa odisséia:

“Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!

 

Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena

Quem quere passar além do Bojador

Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu.”

 

Ora, direis, porque essa fixação do orador no mar português? Explico-lhes: Foi através desse mar que, em abril de 1967, vivendo uma das maiores emoções de minha vida, com o coração e os olhos em festa, adentrei ao Tejo e se descobriu para mim, a partir de uma Lisboa “cheia de encantos e beleza, sempre formosa a sorrir”, uma pátria mão da qual, ao contrário do que os néscios propagam, foi, é e será sempre em motivo de orgulho, de carinho e de reconhecimento para nós, brasileiros.

Lá fiquei dois anos e devo ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil, uma das maiores e mais avançadas instituições de engenharia de todo o mundo moderno, devo a Manuel Rocha, José Folque, Castel-Branco Falcão, entre tantos outros, a minha formação de geotécnico e professor universitário respeitado: quase tudo o que sei, com embasamento científico, devo a Portugal e aos portugueses.

Assim sendo, recordando com saudade esses amigos, recordando com saudades Coimbra Universitária, Porto licoroso, Braga religiosa, Bragança medieval, Guimarães histórica, Aveiro veneziana, Viseu cidade-museu, Setúbal marítima, Evora monumental; Minho, Trás-os-Montes, Douros, Beiras, Estremadeira, Ribatejo, Alentejos, Algarve - recordações sempre vivas e sempre presentes, trago aqui, em meu nome e em nome da bancada do PMDB, nesse momento, a nossa palavra de carinho e de reconhecimento à pátria portuguesa e aos portugueses por tudo aquilo que representaram e representam dentro de nossa história e dentro da história da humanidade.

Valeu a pena?

Sim, valeu a pena porque o calor das águas do mar português e o carinho com que essas águas beijam as areias de suas praias foi transmitido ao coração e a alma de todos aqueles que, uma vez na vida e em qualquer parte do mundo, cruzaram com os viageiros portugueses!

Valeu a pena?

Sim, valeu a pena, porque a alma de Portugal jamais foi e jamais será pequena! Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE: Com a palavra o Ver. Adaury Fillipi, que falará em nome do PDS.

 

O SR. ADAURY FILLIPI: Sra. Presidente, Srs. Vereadores e Srs. Convidados: a Bancada do Partido Social Democrático, com assento neste colegiado, oferece-nos esta valiosa e grata oportunidade, para apresentarmos cumprimentos e endereçarmos saudações à respeitada Nação Portuguesa, neste marcado evento comemorativo de seu Dia Nacional. Ao intentarmos a concepção desta agradabilíssima tarefa, assalta-nos de pronto e já há, em nosso íntimo em terçar de armas entre o adotarmos o formalismo ou o sentimentalismo. Vênia seja-nos concedida, para cedermos a este último, pois que se nos apresenta prenhe de recordações inolvidáveis, pois que falar de, ou para Portugal, o que ora fazemos, se nos aloja na lembrança toda a textura histórica de nosso País, e de forma natural. O começar com Pedro Álvares Cabral conduzindo com mãos destemidas as valentes caravelas a singrar mares então ignotos e aportando cá, nesta terra, e descobri-la para nós, os brasileiros. Ao depois, Tristão da Cunha, Afonso de Albuquerque, Bartolomeu Dias, Fernando de Magalhães, Vasco da Gama e tantos notáveis navegadores outros a expandirem e consolidarem conquistas.

Este Brasil, assim, foi, é e será parte desse Portugal, Pátria-mãe. Antes, por dependência, hoje e amanhã, prazerosamente, pelo coração. Abramos o baú das reminiscências, e quantas delas nos ligam a Portugal? Ora, quem teve a ventura do bom colégio do passado, há de se recordar, enfaticamente, dos aguçantes contatos com a história e a cultura portuguesa. Relembremos de Marcos Portugal, que vai à Itália, retorna à sua Pátria e compõe as célebres óperas que, ainda hoje, os afeitos à música estão a ouvir com deleite.

Quantas vezes, acometidos fomos de cefaléias e, paradoxalmente, pedíamos que se repetissem, ao interpretar um Almeida Garret, escrevendo o Auto de Gil Vicente. O próprio Gil Vicente, com a “Barca do Inferno”, oh, que deleite! Sá Miranda, com seu “Em Decassílabo”, seu soneto, seu terceto e a sua célebre 8ª rima! Padre Vieira e seus Sermões. O Grande Vieira, cognominado o “Crisostomo Português”: Camilo Castelo Branco, das “Memórias do Cárcere”, oh, quanta lembrança de tristezas, mas sempre havia esperança! Júlio Dantas da “Ceia dos Cardeais”, que deleite, que maravilha! Ler e reler. Julio Diniz, com a “A Pupila do Sr. Reitor”, outra magnífica obra que a adolescência nos proporcionou ler. Ramalho Ortigão, com as suas diatribes, através das suas célebres “As Farpas.” Guerra Junqueiro, o insolente, em se dirigindo à Inglaterra, “Inglaterra Bêbada e ébria de conquistas”! Ah, Alexandre Herculando, em “Eurico, o Presbitero”, que magnífico! O Velho Eça de Queiroz, “A Relíquia”, o “inusitado presente à Amada”, lembram-se? Enfim, laços de nascimento no plano existencial, laços de crescimento no plano intelectual. Fonte disso e resolução máxima: Portugal-Brasil, Brasil-Portugal, simbiose maravilhosa de nação e gente!

Exmo. Sr. Cônsul Emídio da Veiga Domingos, nós vo-lo rogamos permitais que liguemos o ontem só hoje, assim: ontem, vossas naves a descobrir nossas terras. Ontem que pode ser hoje, pelos liames de afetividade que nunca se romperam. Vamos navegando pelo Dão, o D' Ouro, o Minho, o Tejo e lá em Portugal aportando a dizer à Pátria Mãe: nós aqui chegamos porque somos a gratidão, por termos nós o Brasil, sido por vós descoberto. E mais gratos ainda por termos de parte a parte nos unido sentimentalmente pelo sangue e pela cultura. Vale por isso relembrar a magnífica assertiva de Alexandre Herculano “A língua e a religião são as duas cadeias de bronze que unem no correr dos tempos as gerações passadas às gerações futuras” e estes laços que se prolongam através das eras são a Pátria; sobre religião poderemos divergir, sobre ela poderemos não aquiescer nos conceitos do passado e do momento quando vemos que como fator de união é muita vez fator de desunião. Todavia, sobre a língua ainda temos nossas divergências, mas meramente no plano estreito da palavra quanto a sua ação morfológica. Podemos não ter a mesma grafia nem a mesma prosódia, mas quanto ao vocábulo, na sua significação português e Brasil são convergentes no vértice maior da união. Certamente que o fado e o samba hão de coexistir em Portugal e Brasil a um só momento deleitando corações portugueses e brasileiros.

Por derradeiro, Sr. Cônsul, ao perorar esta fala permitais mais uma vez que não o faça este singelo pabrador, mas sim o português de fina estirpe, o poeta maior da vossa, da nossa boa terra, Luis de Camões. Por isso, assim: “Cessa tudo quando a antiga musa canta, eis que um valor mais alto se levanta.” (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE: Com a palavra o nosso homenageado, Exmo. Cônsul de Portugal, Sr. Emílio Domingues.

 

O SR. EMÍLIO DOMINGUES: Sra. Presidente, Srs. Vereadores e Srs. convidados: se meu propósito não se limitasse a agradecer, de forma singela, mas sentida, esta homenagem, os Srs. Vereadores, pela erudição que acabam de demonstrar, ter-me-iam reduzido ou esvaziado todo o conteúdo do meu discurso.

Cumpre-me, assim, proferir algumas palavras de agradecimento à Câmara Municipal de Porto Alegre que teve o nobre gesto de levar a cabo esta Sessão Solene, em homenagem ao Dia Nacional de Portugal, Dia de Camões, Dia das Comunidades Portuguesas. Não posso, igualmente deixar de salientar o fato da iniciativa ter partido desta Assembléia, e é neste sentido que deixo uma palavra de gratidão ao Ver. Pedro Ruas, proponente desta homenagem, iniciativa esta que traduz um gesto extremamente fraterno, que creiam, Srs. Vereadores, a Comunidade Portuguesa aqui radicada e as autoridades governamentais do meu País, muito apreciaram e não esquecerão nunca.

Sra. Presidente, Srs. Vereadores, sem querer aqui sentados por qualquer que seja ao que aqui foi dito pelos ilustres palestrantes. Permitam, no entanto, que sublinhem o fato de que este ano, e nesta mesma data termos iniciado as comemorações do quinto centenário das descobertas portuguesas, as quais se prolongarão até o ano 2000, data que conjuntamente com os irmãos brasileiros se comemorará os 500 anos de descoberta deste imenso continente que se chama Brasil.

Foi desse encontro entre Portugal e Brasil, nessa vivência em comum que ficou para além do mais todo um patrimônio cultural e lingüístico que tanto nos une e nos identifica numa comunidade que, incluindo os países africanos de expressão portuguesa, já representa hoje cerca de 200 bilhões de almas.

Daí que o Brasil tenha venerado, tal como nos próprios, a magistral obra de Camões, e, a título de curiosidade, lembrarei que já em 1880 o Imperador escrevia sobre os Lusíadas - na revista brasileira - e que em 1824 o Brasil, sob Afrânio Peixoto, fez um donativo à Universidade de Lisboa para a criação da cadeira de estudos Camonianos.

Que possamos reforçar, cada vez mais, os laços fraternos que nos unem é o nosso maior desejo e o nobre gesto desta Câmara, hoje aqui registrado, constitui sem dúvida mais um marco de reaproximação entre os nossos dois países. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

 A SRA. PRESIDENTE: A Câmara Municipal de Porto Alegre, neste dia em que comemora o Dia Nacional de Portugal, sente-se muito feliz, Senhor Cônsul e Srs. representantes na Mesa onde tem a vizinha Nação Argentina e o Senhor representante do Uruguai, o Sr. representante do Prefeito Municipal, nosso colega Ver. Valdir Fraga. A Câmara sente-se muito feliz com esta proposição do Ver. Pedro Ruas porque é mais um dia onde nós, brasileiros, nos manifestamos dentro da nossa fraternal e carinhosa amizade que nos liga a Portugal.

Realmente não comemoramos, hoje, o Dia Nacional de Portugal, porque isto nós comemoramos todos os dias dentro desta amizade e dentro deste carinho.

Esse Portugal tão amigo e tão querido, esse Portugal que vem de longa data dentro da história. Esse Portugal que faz parte da nossa história com a descoberta do Brasil por Pedro Álvares Cabral. Esse Portugal alegre nas suas danças folclóricas, na sua música, esse Portugal tão alegre em seu folclore, quanto o nosso samba, mas tão triste nos seus fados, quanto aos nossos dias de tristeza, com a voz inconfundível da nossa Amélia Rodrigues. Esse Portugal das ruas tortuosas de Coimbra com os seus doutores de capa preta que sempre trazem a sua mensagem de otimismo dos doutores da História.

O Portugal, como disse o Ver. Adaury Fillipi, do Gil Vicente e do Pe. Vieira. O Portugal imortal, não só nas canções a na História, mas o Portugal alegre no futebol, onde junto ao nosso incomparável Pelé tivemos e temos o ídolo Eusébio. O Portugal fraterno e meigo, companheiro. O Portugal que nos deu os velhos troncos das nossas famílias no Brasil, dos Pereiras, dos Parreiras, dos Coelhos e aquelas tradicionais de Portugal junto com as tradicionais de Orleans e Bragança.

Portugal e Brasil aliados, juntos, no mesmo caminho, no mesmo sentimento, unidos na mesma saudade, na mesma fraternidade, no mesmo coração, na mesma emoção. Portugal e Brasil: não há diferença. Somos um e outro. Somos irmãos, somos carinhosamente irmãos.

Aceitamos, neste dia, por unanimidade, a indicação do Ver. Pedro Ruas, a homenagem a esse País que, praticamente é a nossa história. É o País onde se encerra parte da nossa etnia; é o País que, junto conosco, é nosso irmão nos nossos sonhos e nas nossas esperanças. Portugal do Tejo, do Minho, de Algarves. Portugal de suas ruas, Portugal de seus monumentos, de seus museus, de suas histórias, de suas noites luminosas, de seus fados, de suas alegrias e suas tradições. Portugal, incomparável. Portugal do coração; nós te homenageamos não no teu Dia Nacional. Nós te homenageamos todos os dias, porque tu mereces. Por que tu és nosso irmão.

Nada mais havendo a tratar, estão encerrados os trabalhos.

 

(Levanta-se a Sessão às 17h25min.)

 

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